Um solo de Assis Benevenuto.
Texto, Direção e Atuação: Assis Benevenuto
Assistência de Direção: Marcos Coletta
Criação de Figurino: Mariana Blanco
Criação de Luz: Marina Arthuzzi
Criação de Cenário: Daniel Herthel
Trilha Sonora: Assis Benevenuto
Vídeo: Laboratório Filmes – Davi Fuzzari e Marco Gonçalves
Design Gráfico e Assessoria de Imprensa: Marcos Coletta
Produção e Realização: Quatroloscinco – Teatro do Comum.
“Eu nunca estive no voo 402 de 1996, não estive no LT 933, no AF 447,
não era eu no ASA 77, nem no Flying Top American... Aquele avião que agora
corta o céu, não, não sou eu, e se você está aqui é porque seria impossível
estar em qualquer outro lugar. Está tudo dentro da cabeça: Get Out! Get Out!
Não acredite em nada! Anda! Anda...”
Em Get Out! se pode conviver com uma teatralidade
pós-moderna. Digo isso pensando em duas circunstâncias, principalmente. A primeira é o conceito de teatralidade, a
partir das ideias de Roland Barthes[i],
quando diz que trata-se de uma “espessura de signos e de sensações que se
edifica em cena a partir do argumento escrito, é aquela espécie de percepção ecumênica
dos artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luzes, que
submerge o texto sob a plenitude de sua linguagem exterior”.
Ao nos depararmos com a busca de um ator, que assume nossa
presença e nos conta da intensidade dos pensamentos e imagens que transbordam
de sua cabeça, vamos ao encontro do mundo, da convivência, das suas
dificuldades e incoerências, somos sugados para um contexto fragmentado. Somos
envoltos por uma aura de fantasia, mistério e confissão que nos retira do lugar
cotidiano e da sala de apresentação. Vivenciamos uma espessura de signos e
sensações que se desdobram, permitindo que desenvolvamos nossa própria viagem naquele
voo do qual somos passageiros improváveis. Não somos nós, é o mundo.
Ao mesmo tempo, somos tragados por uma volúpia diante de
palavras, imagens e sonoridades desconectadas entre si, capazes de dar a
perceber a velocidade do pensamento. A velocidade da descoberta, a inconstância
do fluxo de ideias que nos atravessa intermitentemente, dentro das nossas
cabeças. Como a nos chamar a observar o pensamento ao invés de pensar, Assis B.
nos conclama a viajar... quase a delirar com tantas possibilidades de sonho, de
projetos, de desejos, de mentiras, de provocações, que fazemos a nós mesmos,
durante o estado de vigília.
E se nos colocamos em seu lugar, naquela viagem que não saiu
do lugar, naquele voo que não decolou, mas que rompeu a barreira do tempo e do
espaço, fazemos uma longa peregrinação à alma de um homem jovem e cheio de angústias.
Uma peregrinação ao coração assustado, feroz e exuberante de um homem em pleno
voo para fora do si mesmo. E, então, nos deparamos com a perspectiva da
pós-modernidade.
Enquanto busca a teatralidade de sua fala comum, de seu corpo
presente, de suas ações simples, Assis B. dispõe lado a lado blocos de
referencias, sem deixar evidente suas relações, ou aquilo que os uniu naquele
fio narrativo. Não se ocupa de explicar suas escolhas, ao contrário, se
preocupa em demonstrar que o processo é um fluxo, e alcança eliminar a lógica
formal, em nome de uma lógica aformal. O teatro se realiza como a presentação
de várias intensidades autônomas, que não estão em função de mensagens, que não
são explícitas e que podem ser míticas, se assim o quiser seu espectador.
Na segunda circunstância a que nos leva Get Out!, a significação é a resultante que o próprio espectador
faz daquilo que para ele configurou-se em sentido. Saudável brincadeira com a
vida e a percepção dela, que a pós-modernidade enseja... Se cada um de nós se
levasse menos a sério, talvez pudéssemos alcançar viajar naquele voo, no qual
Assis B. não esteve e nem nenhum de nós. E voltaríamos a delirar com nossos próprios
desejos. Nos tornaríamos capazes de viver o pensamento, ao invés de enjaula-lo
na coerência. E para isso serve o teatro: para nos mostrar que podemos ser mais
livres, menos rígidos e extremamente poéticos, se vemos toda nossa confusão
interior com olhos estéticos.
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.Saber falar de sua história e saber viver sua história.