segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Get Out!



Um solo de Assis Benevenuto.

Texto, Direção e Atuação: Assis Benevenuto
Assistência de Direção: Marcos Coletta
Criação de Figurino: Mariana Blanco
Criação de Luz: Marina Arthuzzi
Criação de Cenário: Daniel Herthel
Trilha Sonora: Assis Benevenuto
Vídeo: Laboratório Filmes – Davi Fuzzari e Marco Gonçalves
Design Gráfico e Assessoria de Imprensa: Marcos Coletta
Produção e Realização: Quatroloscinco – Teatro do Comum.


“Eu nunca estive no voo 402 de 1996, não estive no LT 933, no AF 447, não era eu no ASA 77, nem no Flying Top American... Aquele avião que agora corta o céu, não, não sou eu, e se você está aqui é porque seria impossível estar em qualquer outro lugar. Está tudo dentro da cabeça: Get Out! Get Out! Não acredite em nada! Anda! Anda...”


Em Get Out!  se pode conviver com uma teatralidade pós-moderna. Digo isso pensando em duas circunstâncias, principalmente.  A primeira é o conceito de teatralidade, a partir das ideias de Roland Barthes[i], quando diz que trata-se de uma “espessura de signos e de sensações que se edifica em cena a partir do argumento escrito, é aquela espécie de percepção ecumênica dos artifícios sensuais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luzes, que submerge o texto sob a plenitude de sua linguagem exterior”.

Ao nos depararmos com a busca de um ator, que assume nossa presença e nos conta da intensidade dos pensamentos e imagens que transbordam de sua cabeça, vamos ao encontro do mundo, da convivência, das suas dificuldades e incoerências, somos sugados para um contexto fragmentado. Somos envoltos por uma aura de fantasia, mistério e confissão que nos retira do lugar cotidiano e da sala de apresentação. Vivenciamos uma espessura de signos e sensações que se desdobram, permitindo que desenvolvamos nossa própria viagem naquele voo do qual somos passageiros improváveis. Não somos nós, é o mundo.

Ao mesmo tempo, somos tragados por uma volúpia diante de palavras, imagens e sonoridades desconectadas entre si, capazes de dar a perceber a velocidade do pensamento. A velocidade da descoberta, a inconstância do fluxo de ideias que nos atravessa intermitentemente, dentro das nossas cabeças. Como a nos chamar a observar o pensamento ao invés de pensar, Assis B. nos conclama a viajar... quase a delirar com tantas possibilidades de sonho, de projetos, de desejos, de mentiras, de provocações, que fazemos a nós mesmos, durante o estado de vigília.

E se nos colocamos em seu lugar, naquela viagem que não saiu do lugar, naquele voo que não decolou, mas que rompeu a barreira do tempo e do espaço, fazemos uma longa peregrinação à alma de um homem jovem e cheio de angústias. Uma peregrinação ao coração assustado, feroz e exuberante de um homem em pleno voo para fora do si mesmo. E, então, nos deparamos com a perspectiva da pós-modernidade.

Enquanto busca a teatralidade de sua fala comum, de seu corpo presente, de suas ações simples, Assis B. dispõe lado a lado blocos de referencias, sem deixar evidente suas relações, ou aquilo que os uniu naquele fio narrativo. Não se ocupa de explicar suas escolhas, ao contrário, se preocupa em demonstrar que o processo é um fluxo, e alcança eliminar a lógica formal, em nome de uma lógica aformal. O teatro se realiza como a presentação de várias intensidades autônomas, que não estão em função de mensagens, que não são explícitas e que podem ser míticas, se assim o quiser seu espectador.

Na segunda circunstância a que nos leva Get Out!, a significação é a resultante que o próprio espectador faz daquilo que para ele configurou-se em sentido. Saudável brincadeira com a vida e a percepção dela, que a pós-modernidade enseja... Se cada um de nós se levasse menos a sério, talvez pudéssemos alcançar viajar naquele voo, no qual Assis B. não esteve e nem nenhum de nós. E voltaríamos a delirar com nossos próprios desejos. Nos tornaríamos capazes de viver o pensamento, ao invés de enjaula-lo na coerência. E para isso serve o teatro: para nos mostrar que podemos ser mais livres, menos rígidos e extremamente poéticos, se vemos toda nossa confusão interior com olhos estéticos.




[i] PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

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