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recepção e critica
segunda-feira, 28 de julho de 2014
Guia das Artes
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domingo, 13 de julho de 2014
O Crítico Pós-dramático: um alfandegário sem fronteiras
Trechos do artigo de
Sérgio Salvia Coelho[1]
In: O Pós-Dramático.
Org. Sílvia Fernandes e
Jacob Guinsburg.
São Paulo: Perspectiva,
2008.
(Debates, 314)
O teatro mudou. Ainda há espaço para a crítica? A crítica que
se baseia na análise prévia de um texto dramático completo, narrativa com
começo, meio e fim, para verificar se este está sendo bem servido pelo
encenador, parece hoje – no advento do teatro pós-dramático, segundo o conceito
de Hans Thies Lehmann – tão anacrônica quanto o velho ponto, ou como um
alfandegário sem fronteiras.
A proliferação de fórmulas, desde a tradição de ruptura dos
fins do século XIX, fez com que o encenador, que já usurpara o poder do autor,
passasse a exercer também a função de crítico. Tornou-se um diretor, quase um
Duce, ditando as próprias leis e atraindo os risos sobre o antigo déspota, que brada perplexo: “não é assim que se
monta Shakespeare!” Ou, ainda, mais patético: “Afinal, qual é o texto deste
espetáculo?”
Antes que se condene aqui o crítico, a ser um comentarista de
futebol em um jogo de rugby, seria prudente reivindicar para ele outras funções
além de ser um legislador arrogante ou, saída indigna, um divulgador submisso.
Como um suicida, segundos antes do pulo, o crítico aqui vai tentar evocar em
flashes rápidos momentos relevantes da sua função, na secreta esperança de
encontrar uma boa razão para sua sobrevivência.
Livre do texto prévio e da estreita caixa do teatro italiano,
o teatro se expõe em esboço, com as costuras à mostra, no happening, na performance, na troca antropológica, na síntese de
culturas e formas: Grotovski, Brook, Barba, teatro-dança, teatro-circo, teatro
paisagem de formas abstratas e abertas à interpretação do público.
Isto quer dizer que cada um na plateia se tornou um crítico?
A responsabilidade do sentido compartilhada com o público tirou do artista a
necessidade de ser avaliado oficialmente por uma inteligência superior, que
deve se desdobrar para entender a obra melhor que o próprio criador?
Não tão rápido. A vítima, sem dúvida, foi o pedestal, a
arrogância do crítico que ainda se ilude em querer apontar o certo e o errado.
Mas o olhar externo, que tanto justificou a permanência da função do diretor em
relação à imersão dos atores, ainda é necessário. Ao crítico, é devida a
humildade de procurar pesquisar em que se baseia cada criador, quais os
parâmetros perseguidos, para poder se propor a ser um interlocutor. Só assim se
habilita ao diálogo: “pelo que eu vi, você fez isso, como já foi feito parecido
antes de você, mas o resultado foi mesmo o que você buscava?”
Esse ideal de “crítica cúmplice”, para retomar o título do
livro de Ana Bernstein, tem o seu representante máximo em Décio de Almeida
Prado, que nos anos 1950 e 60 compartilhou a responsabilidade de criar o
moderno teatro brasileiro como Teatro Brasileiro de Comédia e o que daí
derivou. Tinha a vantagem de ter parâmetros claros a serem seguidos: o teatro
francês, sobretudo o preconizado por Louis Jouvet; o moderno teatro americano
(e foram suas aulas na escola de Arte Dramática sobre o tema que deram
embasamento para José Renato Pécora idealizar o Teatro de Arena); o teatro
italiano, trazido pelos jovens encenadores do TBC. Anos de inovações
vertiginosas no teatro brasileiro, no campo da encenação, mas que ainda
pressupunham um texto pré-existente e uma separação, mesmo que cada vez menor,
entre palco e plateia.
Antes de reservar um sorriso indulgente ao crítico, que
estaria ultrapassado pelas novas linguagens, é preciso ponderar o que significa
um endosso pleno a essa proposta propriamente pós-dramática, que é ruptura do
distanciamento contemplativo, no qual a razão filtra a emoção para melhor
atribuir-lhe um sentido. Primeiro, porque Décio assume humildemente o seu modo
de ser: “só posso escrever da maneira como sou”. Cobrar do crítico que endosse
o entusiasmo do criador é cair em arrogância equivalente a de querer que o
criador acate sem discutir a opinião teórica do crítico, e é preciso lembrar
então que a multiplicidade de pontos de vista é um valor maior da “obra aberta”
do teatro contemporâneo.
Depois, porque tirar do crítico a função de olhar externo, ou
mais propriamente estrangeiro, é negar a médio prazo qualquer pensamento
crítico sobre a obra que se faz, a não ser que o próprio artista usurpe a
função e faça a sua crítica nos jornais. O fato de que nas últimas décadas a
cobertura nos jornais das peças de teatro tenha se dividido em duas funções, -
a do jornalista que faz a matéria prévia, em princípio tendo como função
endossar e divulgar os pontos de vista dos artistas envolvidos; e do crítico
que vem após a estreia testemunhar e avaliar o que viu – poderia ter trazido
maior compreensão para a necessidade de uma avaliação distanciada.
Infelizmente, na prática, a classe teatral, que nem sempre faz a diferença
entre as funções, simpatiza bem mais com o “bom tira” jornalista, guardando o
escárnio para o “mau tira” que mantém suas reservas.
É indispensável cobrar objetividade e imparcialidade do
jornalista, pois, trabalhando na divulgação da obra, informando o público sobre
as intenções dos artistas, não pode deixar transparecer sua opinião pessoal.
Pelo contrário, opinião pessoal é a matéria prima do crítico, que deve vende-la
através de um esforço argumentativo como
qual o leitor, mesmo antes de ver a peça, pode concordar ou não. A
crítica, transmitindo assim uma opinião pessoal, passa a ser por sua vez uma
obra de arte, passível de ser criticada, mas não de ser desautorizada por falta
de endosso. O crítico não é um jornalista, mas faz parte da classe teatral como
qualquer outro técnico criador.
O que confunde às vezes leitores e críticos é que há, sem
dúvida, uma parte de crítica que deve ser objetiva: a descrição do espetáculo,
a ficha técnica, os objetivos declarados a partir dos quais a opinião é
estruturada. Nenhum crítico tem o direito, por exemplo, de dizer: “fulano não é
ator”, já que essa é uma opinião pessoal passada como informação absoluta, e
que, em última análise, é falsa, já que fulano está diante de uma plateia
representando. Porém, quando o crítico diz “o ator fulano falha neste aspecto”,
não está insultando pessoalmente de fulano, já que sua opinião técnica pode ser
sempre avaliada pelo leitor.
A pluralidade de técnicas e objetivos, não raro desenvolvida
pelos próprios participantes do espetáculo, nesses tempos pós-dramáticos, nos
quais nenhuma regra é absoluta e nenhuma fronteira é clara, obriga o crítico a
estar cada vez mais informado, e cada vez mais atento para não confundir
preferencias pessoais e avaliações objetivas de pertinência e bom fundamento
dessas propostas. Isto não quer dizer que o gosto do crítico deva ser
escamoteado, sob pena da crítica se tornar morna ou hipócrita.
O mestre da diplomacia nesses tempos confusos talvez seja Yan
Michalski. Para quem nunca ouviu falar de Yan Michalski, bastaria este
parágrafo, pinçado de uma entre 3.598 críticas teatrais que escreveu entre 1963
3 1984 no Jornal do Brasil, para dar
prova de seu rigor e de sua imparcialidade. Trata-se, no caso, de uma crítica
de O senhor Puntila, de Brecht,
encenada por Flávio Rangel em 1966: “Podemos discordar, como de fato
discordamos, deste enfoque adotado pelo encenador, mas não podemos negar o bom
rendimento por ele alcançado, dentro da empostação pretendida”.
Por “empostação pretendida”, ele quer dizer as escolhas
estéticas do encenador, revelando que leva em consideração não só o seu
projeto, o que depende de um acompanhamento do processo da montagem e da
trajetória de sua carreira, como também que possui um amplo conhecimento dos
parâmetros possíveis de serem usados, ou seja, que domina a história do teatro.
[...]
Por fim, ou melhor, de início, sem ceder aos velhos chavões
contra o crítico “artista frustrado”, que dirige no lugar do diretor, ou do que
se mantém falsamente distanciado, faz valer sua formação de ator e diretor para
discordar enquanto artista do que viu. Em suma, o que diz é: eu não faria
assim, mas funciona. Deixando claro seu gosto pessoal, por outro lado, garante
a objetividade de sua apreciação.
[...]
Está cada vez mais difícil para o crítico manter essa
qualidade de texto, e essa cumplicidade com o criador, com que ambos os
críticos citados, Décio de Almeida Prado e Yan Michalski, registraram e
incentivaram o teatro nacional. No entanto, é preciso reconhecer que o grande
ruído nessa comunicação não é o ego desmedido de ambos os lados, mas a pressão
de uma “sociedade do espetáculo” que transforma cada peça em bem de consumo,
dentro de um mercado altamente competitivo. O crítico passa a ser assim um
avaliador, um provador que indica aos consumidores quantas estrelas merece cada
criação única e pouco comparável, à outra que disputa um espaço cada vez mais
reduzido nos jornais. Ao criticado não ofende tanto a avaliação equivocada quanto
o nome grafado errado, e se anseia pela crítica na convicção que mesmo uma
crítica destrutiva é mais produtiva, isto é, mais capaz de atrair público, do
que a indiferença da mídia.
A multiplicação da mídia, com a internet reproduzindo
indicações e resenhas, não seria então uma ameaça, mas uma vazão para essa
necessidade cruel de um lugar ao sol. Uma peça sempre pode ser recomendada pelo
público leigo que “gosta”, sem maiores explicações, em seu bom senso
aristofânico, e o frescor da opinião espontânea compensa o rigor da opinião
embasada, sobretudo se a primeira for positiva, e a segunda não.
A multiplicidade de gostos leva à multiplicidade de teorias e
a função teórica do crítico pode, também, por sua vez, ser domesticada na
figura do dramaturgista que é, neste caso, um teórico consultado para dar aval
logo na construção do espetáculo. Um grupo que trabalhe segundo a cartilha
épica pode sempre se fortalecer na Teoria
do Drama Moderno de Peter Szondi ou no parecer de Iná Camargo Costa, para a
convicção que qualquer avaliação negativa do resultado provenha do
reacionarismo de um crítico ultrapassado.
Cercado por ambos os lados, visto ora como um acadêmico que
se recusa a confessar que se diverte em uma comédia comercial, ora como um
despreparado a quem falta a iluminação conquistada pelos artistas, é forte a
tendência à omissão do crítico que se rende ao endosso de coluna social ou se
refugia nas revistas especializadas. Porém, a classe artística demora a
perceber é que quem se fortalece com a ausência de um distanciamento crítico é
justamente a indústria pseudocultural de eventos mercadológicos, que instituem cada vez mais a fama como um fim
em si, e não um meio ou um prêmio. Primeiro, o candidato a artista quer se
tornar famoso e depois decide como vai exercer essa fama, enquanto cantor,
artista de novela e – por que não? – de teatro.
O jornalismo cultural, por sua vez, pressionado pela
decadência do mercado da mídia impressa tem pouca energia para ir contra a maré
do marketing. Primeiro, vem a publicidade
paga, depois, a divulgação do que está vendendo bem e, por fim, se sobrar
espaço, o pensamento crítico, com a dignidade dos júris vilões caricatos dos
programas de auditório.
O que resta ao crítico? Não pode abrir mão da análise, sob
pena de não ter mais argumentos contra ou a favor do que testemunhou. Não pode
se contentar a ser mero indicador da tendência da moda: não cabe a ele dizer se
se deve ou não gostar de determinado espetáculo, mas que sentido pode vir a ter
esse espetáculo no contexto social e político em que é feito.
Tragado pelo redemoinho da sedução pelo endosso, está como o
herói de Uma Descida no Maelstrom de
Edgar Alan Poe. O que, dos métodos que aprendeu na academia, pode salvar nosso
herói na prática? Não lhe serve a dedução (“afinal, qual é o texto deste
espetáculo?”), já que isso seria equivalente a catalogar sistematicamente cada
espetáculo por meio de uma lista prévia
de possibilidades e, por isso, vista como morta por aqueles que se esforçam em
criar o novo. Não cabe a indução, que seria obrigar o artista a se encaixar em
uma tendência da moda: “não é assim que se monta Shakespeare!”.
Resta o processo menos conhecido de abdução, segundo o qual
parte-se da observação com olhos livres do que se testemunha, para em seguida
distanciar-se pelo reconhecimento de alguns princípios estudados em teoria, e
que poderiam fornecer um sentido e uma previsão para o movimento aparentemente
aleatório dos destroços que rodam no ralo do Maelstrom. Assim, nessa constante
ida e vinda entre teoria e prática, escolhendo a qual destroço se agarrar, o
crítico evita ser engolido pela emoção ou irritação do público comum, sem
perder a volúpia de se emocionar com a experiência.
Assim, muito além do gosto pessoal, mas sem regras
definitivas para sua avaliação, humilhado pelos editores, que lhe negam espaço
e pelos criticados, que lhe cobram o espaço negado, o crítico de teatro, este
pobre alfandegário sem fronteiras, estará sempre pronto a se maravilhar.
[1] Mestre em Dramaturgia pela Escola de Comunicação e
Artes / USP. Professor de roteiro (Faculdade Anhembi-Morumbi) e Interpretação
do Texto Teatral (Escola Célia Helena/SP). Dramaturgo, diretor e crítico de
Teatro (Folha de São Paulo- 2001/2008).
domingo, 22 de junho de 2014
ECLIPSE
ECLIPSE
Um
mergulho na obra do mestre do Teatro Russo e universal, Anton Tchékhov, pelo
Grupo Galpão/MG. Com seu elenco principal dividido em dois grupos, produziram
dois espetáculos diferentes: “Tio Vânia”, sob direção de Yara de Novaes (Brasil),
sobre um consagrado texto dramático; e Eclipse, sob direção de Jurij Alschitz (Alemanha), sobre a obra narrativa
do autor.
Elenco: Chico Pelúcio, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Lydia del
Picchia e Simone Ordones.
Direção, Dramaturgia, Cenografia, Figurino e Treinamento:
Jurij Alschitz
Assistência de Direção e Preparação Vocal: Olga Lapina
Assistência de Direção e Pesquisa de Figurino: Diego Bagagal
Direção Musical e Arranjos: Ernani Maletta
Iluminação: Chico Pelúcio e Bruno Cerezoli
Vídeo Projeção: André Amparo, Chico de Paula e Bruno
Cardieri
Sonoplastia: Ricardo Garcia
Caracterização: Mona Magalhães
Tradução: Eloquent Words
Revisão de Textos: Eduardo Moreira e Arildo de Barros
Assistência de Cenografia: Amanda Gomes
Cenotécnica; Helvécio Izabel
Construção de Adereços: Raimundo Bento, Glauber Apicela e
Tião Vieira
Vozes em OFF: Barabara da Luz, Helena del Picchia Pelúcio
Fotos: Guto Muniz, Miguel Aun e Bianca Aun
Projeto Gráfico: Laura Bastos
Assessoria de Comunicação: Beatriz França
Estagiários de Comunicação: João Luis Santos e Jussara
Vieira
Assistência de Produção: Evandro Villela
Produção Executiva: Anna Paula Paiva e Beatriz Radicchi
Coordenação de Produção: Gilma Oliveira
Apoio Institucional: instituto Unimed-BH
Patrocínio: Petrobrás
“Anton Pavlovich Tchéchov
(1860-1904), dramaturgo e mestre do conto russo. Formou-se em medicina.,
profissão que exerceu durante algum tempo, mas logo abandonou, depois do
sucesso de sua primeira coletânea de conto, em 1886. O tom jornalístico das
crônicas humorísticas foi substituído por temas e atmosfera mais sérios; no
entanto, Checkov, não perdeu a leveza e a economia de meios demonstradas desde
o início. Nos últimos 15 anos do século 19 elevou o conto russo ao patamar que
o romance já havia atingido anteriormente. Entre suas obras-primas está A
Senhora com o cachorrinho (1889). Ao mesmo tempo, Checkov fazia experiências
com o teatro, principalmente dramas curtos. Com as quatro grandes peças da
maturidade, A Gaivota (1896), Tio Vânia (versão final de 1897), Três Irmãs
(1901) e o Jardim das Cerejeiras (1904), produzida por Stanislavski no Teatro
de Arte de Moscou. Checkov transformou-se no maior dramaturgo russo. Suas
peças, que giram em torno de desejos e esperanças frustrados, evitam
delicadamente o melodrama e utilizam a suposição, as referências cruzadas e os
mal-entendidos para alcançar a tensão dramática.” (Nova Enciclopédia Ilustrada
da Folha. Volume 1. 1996)
Há, sem dúvida, grande mérito em se dedicar à experimentação
do teatro de texto e dos seus grandes autores. Tchéckov nunca vai deixar de
fazer parte da dramaturgia universal. Seus textos permitem aos criadores da
cena liberdade de criação, porque mantém as falas elaborada poeticamente e
abrem espaço para a formulação de situações próprias às culturas de cada encenação. Mantém espaço para a
formulação de atmosferas, segundo a especificidade de cada época e de cada
gênero de encenação que a ele resolva se dedicar. Em tempos pós-dramáticos,
mantém, também, espaço de revolução no
uso da palavra, tão desgastada via de comunicação dos nossos tempos surdos.
Seus contos são pouco conhecidos no Brasil, apesar de contar
com, pelo menos, seis volumes de tradução distribuídos pela Editora Relógio
D’água, desde 2007. Ao que parece, as pessoas de teatro se interessam mais por
ele que outros leitores. Não sem razão.
ECLIPSE é um espetáculo
curioso. Vê-se atores aos quais estamos acostumados, pois que o Grupo Galpão
faz parte de nossa história brasileira de teatro, em circunstâncias novas. Os
tipos que constroem são típicos de sua forma de fazer teatro, mas estão soltos,
livres da intensa caracterização e se mostram em situações de insegurança. Fato
delicado e difícil para qualquer ator ou atriz. Me explico.
Vemos uma bem cuidada visualidade, com a projeção de imagens
funcionando como pano de fundo, e podendo não estar ali, pois não nos remetem a
nenhum novo universo que a cena já não nos relate. É bonita. Vemos figurinos
que denotam tipos: o intelectual despojado de tênis, a artista frustrada de
sapatilhas de ponta, uma (talvez)
feminista solitária e algo romântica arrojada no seu decote profundo, um
militante cansado e uma mulher confusa
sobre o seu papel na sociedade. Claro, todas estas imagens dizem respeito a
minha própria leitura, mas que faria eu naquela situação, senão ler o que se me
apresentava? Tipos calculados e evidentes.
As atuações não causam surpresas ou sustos. Mostram uma
sólida opção de cada um dos atores por características que os marcam e definem.
Em vários momentos emocionam, noutros distanciam, e noutros ainda, parecem
pretensiosos. Não se trata de inovação. Trata-se de experimentação sobre chão
conhecido, e com elementos que todos, os atores em questão, sabem que funcionam.
Se mantém na qualidade já conquistada, que aplaudimos pela durabilidade e pela
força, mas que não trazem energia nova ou intensa.
É curioso, porque é interessante. Porque mostra uma pesquisa
e opções conscientes de atuação e encenação. E porque não surpreende ou
encanta.
Não é fácil fazer teatro. Não é simples se manter me cena e atender
à angústia criativa que move cada um de nós, artistas da cena. Não penso que
seja simples tentar se mover do lugar de conquista para alçar vôos, sejam de
que tamanho forem. Me pergunto desde de que assisti a ECLIPSE: como fazer um teatro para as pessoas que somos
hoje? É possível fazer arte ao vivo ainda? Qual é nosso papel como artistas da
cena agora?
Não tive respostas ainda.
segunda-feira, 19 de maio de 2014
um pequeno lapso de razão
Texto, dramaturgia, cenário, direção e atuação:
Alexandre Cioletti e
Rômulo Braga
Provocação:
Ton Guimarães
Cenotécnico:
Artes Cênicas
Produções
Vídeo-cenografia e Trilha Sonora:
Liga lingha
Ator do Vídeo:
Luã Romeu
Cinematógrafo:
Lucas Barbi
|
Iluminação:
Marina Arthuzzi
Figurino:
Laura Ricciarddi
Foto:
Ana Ricciarddi
Programação Visual:
Márcio Miranda e Samuel Araujo
Assessoria de
Imprensa:
Astronauta Comunicação – Adilson Marcelino e Lucas Ávila
Produção Executiva:
Insight Comunicação e Cultura
Produção e
Realização:
Capote Companhia
|
“Mergulhados em nossas próprias intuições, deixamos para trás, ou
melhor, atropelamos todas as regras, infringimos todas as leis, ignoramos todas
as cartilhas, teorias e ensinamentos e criamos um ‘jeito novo’ de fazer teatro,
um jeito ‘nós mesmos’. Pretencioso? Humildemente afirmamos que não é. É apenas
a verdade.”
Alexandre Cioletti e Rômulo Braga.
Um
dos alimentos mais interessantes do teatro é a coragem do ator de se aventurar,
de romper barreiras, de ignorar as formas consagradas e que garantem boa
aceitação por parte de público e crítica. A aventura pode ser desencadeada no
teatro pelo encenador, pelo produtor, por propostas coletivas, mas só consegue
de fato se realizar quando o ator a abraça e se joga nela.
Um pequeno lapso de razão reinventa
algumas coisas, repete outras e abre espaço para nós, espectadores, para olhar
a cena do ponto de vista da razão. Digo isto pensando nas palavras dos atores,
acima transcritas. O “jeito novo de nós mesmos” traz elementos tradicionais do
teatro como drama, mas possibilitou que dois dos melhores atores da geração
mais jovem de Belo Horizonte se mostrassem nas suas íntimas percepções do que possa
ser este teatro.
Em
cena, mãe e filho descortinam memórias de solidão, de inércia, de
insatisfação, marcadas por uma necessidade de deixar a vida passar... de não
fazer esforço pela vida, que afinal, naquele tempo-espaço, não se mostra
atraente, e é quase invisível. A extrema pobreza e a ausência de quase tudo,
coloca as duas vidas na errância, na impossibilidade do futuro, fazendo do presente
a única perspectiva. Aquele é um menino que não se torna homem, aquela é uma
mãe que se recolheu ao nada, que talvez esteja realmente morta, aquela
materialidade mínima alimenta a ignorância do mundo, que aquele jovem nem sabe
que é a sua vida.
O
drama é uma cena que tem sido estudada por vários autores, mas que encontrou em
Peter Szondi (Cosac Naify, 2011) um porta-voz confiável e lúcido para suas
questões. Este autor chama atenção para o fato de que esta forma se concentra
na reprodução das relações inter-humanas, que o diálogo traduz a essência de
sua composição, e que a mediação que ele exercita é do individualismo da forma,
da existência de si em si mesmo, sem parceiros nem concorrentes. O drama se
absolutiza. Há uma relação com a modernidade na produção do drama. Anne
Cauquelin (Martins Fontes, 2005) sugere que
a modernidade se caracteriza pelo transitório, pelo fugidio e pelo contingente.
Na teoria de Peter Szondi, o drama não é algo que se encontra em qualquer tempo
e lugar, contudo, sua esfera de existência é o “estar entre”, o exercício da
liberdade e simultaneamente do compromisso, da vontade e da decisão. As
relações entre drama e modernidade emergem deste confronto entre o que é a
situação e o como está o indivíduo nela, sua possibilidade de mudar e reverter,
manter e continuar, por decisão própria.
O
drama construído por Cioletti e Braga, a partir de “suas intuições”, traz
marcas de um mundo pós-moderno, mas não se desvincula da modernidade do teatro.
O diálogo é o princípio básico da experimentação dos atores, e gira em torno da
definição da personalidade das personagens em cena. Da modernidade escolhe a assunção
do fugidio, que deixa marcas vazias, que nem precisam ser conservadas porque
não adquirem nenhum significado para o depois. Papéis, imagens, objetos do
cotidiano, em quantidade mínima, são as materialidades que fundem o grotesco da
vida com o sublime do diálogo dramático, envolvido por delicadas vozes suaves,
que tornam aquelas relações femininas e amorosas. Os atores se apequenam e se
tornam delicados para entrar no drama da falta de amor de uma mãe por um filho,
talvez indesejado, que talvez tenha chegado numa vida que já lhe era imprópria.
O drama da vida vazia transparece no vazio que os atores constroem em cena. E não foge da regra dramática.
Muitas
são as repetições, que em si não tiram o mérito da experimentação a que se
propõem aqueles atores. A pobreza estereotipada, a falta de crueldade da personagem infante, a ausência de raiva naqueles seres etéreos demais. Mesmo com todas estas repetições clichês do drama moderno, os
atores nos emocionam várias vezes. Sua entrega cria uma atmosfera de
teatralidade que nos envolve. O ritmo ainda titubeante, no dia em que pude vê-los
em cena, dá a dimensão de seu mergulho numa criação cheia de incertezas. E o
mergulho mostra o terrível drama da vida fragmentada e desequilibrada do mundo
pós-moderno.
Um
pequeno lapso de razão tem várias possibilidades ainda em germe. Pode ser
um grande drama pós-moderno (que me permitam esta licença ainda poética), tem
intensidade e desejo, mas ainda está tímido diante de suas próprias qualidades.
sexta-feira, 11 de abril de 2014
PR AZ ER
Espetáculo da Cia. Lunera (BH/MG)
Concepção e Dramaturgia: Cia. Luna Lunera
Atuação e codireção: Cláudio Dias, Isabela Paes, Marcelo
Souza e Silva e Odilon Esteves
Codireção: Zé Walter Albinati
Orientação Dramatúrgica: Jô Bilac
Preparação Corporal: Mário Nascimento
Residência Artística: Roberta Carrieri – Odin Teatret
Pesquisa em Artes Digitais: Trem Chic
Concepção Cenográfica: Ed Andrade
Figurino: Marney Heitmann
Iluminação: Felipe Cosse e Juliano Coelho
Produção Executiva: Talita Braga
“A
Cia. Luna Lunera foi criada em 2001. (...). Sediada em Belo Horizonte (MG), a
Luna Lunera tem realizado inúmeras ações de troca de experiências e
democratização do acesso à arte, através de cursos, oficinas, ensaios abertos,
bate-papos após os espetáculos e projetos de circulação por cidades fora dos
circuitos já estabelecidos. Exercita interlocução com outros grupos brasileiros
e do exterior, sendo membro do Teatropeia, coletivo de discussão e criação
teatral situado no México.” (Programa do Espetáculo)
O projeto
de teatro da Cia. Luna Lunera tem como perspectiva a criação compartilhada.
Segundo o texto do programa de PR AZ ER, o diálogo entre criadores, participantes
da Companhia ou convidados para cada processo, ou ainda observadores mais
descomprometidos e eventuais contudo presentes, tem o poder e o papel de
modificar, trazer novas referências, alterar o olhar e o caminho da criação.
Sem dúvida, uma opção difícil, pois o fazer e o estar em grupo são, em si
mesmos, o desafio de escutar e calar, constante e continuamente. E a
criação compartilhada traz consigo, ainda, a responsabilidade da satisfação,
por que não dizer do prazer, de cada indivíduo envolvido, que se faz e refaz na
troca de prazeres com os parceiros. Delicado processo de aprendizado do respeito
mútuo e da flexibilidade de pensamento.
Prazer....
Para Aristóteles: “o ato de um hábito conforme à natureza”. Hábito como
“disposição constante”. Para Nietzsche: “sensação de maior potencia”. Para
Schopenhauer: “a cessação da dor, conhecido ou sentido apenas através da
lembrança do sofrimento ou da privação passada”. Ufa... Interessante lembrar de
todas estas constatações se revelando no decorrer do encontro espetacular entre
aquelas pessoas inventadas que se trancam em casa e olham o mundo pela janela.
Homens
que trazem dores de amor. Homens que trazem uma sensibilidade doce e confusa.
Homens que se realizam com pequenos gestos do cotidiano, como cozinhar, manejar
uma torneira quebrada, observar o próprio cachorro. Personagens ambíguos na sua
inumanidade, na sua infância emotiva, na incerteza dura de ver ou viver o amor,
e o prazer. Que, conforme suas naturezas, não deixam de agir dentro de seus
hábitos, arraigados e tormentosos. Humanos, que se desequilibram e se
reequilibram em função da sua busca individual por algum fragmento de não-dor.
Uma
mulher que desliza. Alimenta as fantasias sensuais de si mesma e de todos os
homens à sua volta, sem toca-los, sem realiza-las, sem destruí-las. Que insiste
nas relações, que não abre mão de tentar, que assume o papel de contemporizar,
que guarda seus conflitos dentro de seus saltos altos vermelhos.
Os
personagens são desenhados, são suaves, por vezes se parecem tanto com pessoas
comuns, que até parece que não é teatro. Os atores mostram tal intimidade com
sua persona ficcional que, às vezes, é um pouco assustador vê-los se
revelando... Uma sensação de cuidado com aqueles pequenos seres meio desumanos,
mas uma sensação agradável de saber que nada pode atingi-los, porque estão
protegidos pelo palco. E nós escondidos na plateia. Todos bem guardados por
Dioniso, que nos assiste nas nossas angústias e prazeres.
O espaço cênico, grandioso e delicado, nos situa num mundo pequeno e fragmentado.
Somos envolvidos por recordações e intensidades, que trazem a juventude, trazem
o começo e o fim da vida: poucos elementos para atender a todas as
necessidades. E a água sempre presente. Chove fora, pinga dentro, lava e
inunda, como os sentimentos de dor e prazer fazem, de modo avassalador e sem demoras. Poético espaço e poético uso
dele. Sua luminosidade é difusa, leve, intimista, como a condensar as sombras
que cada um arrasta atrás de si... A plasticidade do espaço cênico completa e
retoca cada gesto, cada atitude, cada palavra dos atores. Um casamento: onde
não há arestas, elas se revelam e se resolvem na sua própria existência,
lembrando que a vida é sonho, não é perfeição cartesiana.
O
figurino é inteligente pra caramba! Veste e desveste as personalidades e a
ficcionalidade de cada personagem. Plausível e contemporâneo, traz à tona
particularidades e fundamentos daquelas criaturas; a teatralidade fica por
conta do uso que cada ator faz dele. Tem beleza e tem ternura, tem surpresa e
tem elegância. Tem ficção e tem não-ficção. Outro casamento: o que é bom desfila,
o que é estranho, se esconde sem desaparecer.
A
dramaturgia se baseia na conjugação de monólogos em presença dos outros. Todos
parecem falar somente para se ouvir, muitas vezes interrompendo um fluxo de
pensamento e de emotividade do outro. É conveniente e belo ver as palavras se
embolando, se confundindo, “des-contando” uma história sem pé nem cabeça, que se revela
familiar de vez em quando. É comovente ser tratada como pessoa inteligente, que
pode fazer as próprias associações, que como espectadora pode escolher que
faceta da história prefere, sem ser conduzida pela linearidade e pela lógica
matemática. Me caso demais com esta situação!
Enfim,
bom ver a maturidade da Companhia. Bom ver que se arriscam dentro de uma
linguagem que vem sendo construída a muitas mãos. Bom que reverenciam seus
mestres, Castilho Avelar, Vogel e Belém Machado, com carinho e cuidado. Bom
poder ver o teatro que quer se comunicar com as pessoas que somos hoje, na
nossa confusão, na nossa incerteza e na nossa necessidade de estar vivo.
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